05/08/2010
Por Risomar Fasanaro
Recebi por e-mail do meu querido amigo Sílvio Tendler, diretor do premiadíssimo filme “Utopia e Barbárie” um texto do cineasta Cacá Diegues(*) publicado pelo jornal “O Globo”, em que ele tece algumas considerações sobre arte, intelectualidade e política.
Cacá rememora a incompreensão de que foi vítima o pintor Manet, quando expôs em Paris, seu quadro Olympia.
Naquela ocasião o escândalo que a tela provocou foi tamanho, que o pintor só teve o apoio do escritor e jornalista Emile Zola.
O artigo que Zola escreveu anunciando o surgimento de uma nova arte provocou uma onda de revolta, e o diretor do jornal queria que ele se retratasse, mas, fiel aos seus princípios (o que ficou evidente mais tarde quando assumiu a defesa de Dreyfus, acusado de colaboracionista durante a 2ª Guerra mundial), Zola se recusou a recuar de sua postura. Por esse motivo foi demitido e não conseguiu mais trabalhar em nenhum jornal francês.
Cacá Diegues chama nossa atenção para os intelectuais que arriscam seu prestígio e, muitas vezes até a própria vida “no cumprimento da missão de pensar o mundo e o estado de coisas segundo sua própria consciência, conhecimento e intuição, sem se submeter à palavra de ordem majoritária de grupos, partidos ou corporações.”
Mais adiante o cineasta manifesta seu descontentamento em relação aos partidos e aos que ele chama de “artistas e intelectuais orgânicos, aqueles que submetem o que pensam à razão política de suas organizações”.
E Cacá vai além. Reconhece como eu também reconheço, e faço minhas suas palavras, que “no Brasil, artistas e intelectuais são tratados como bumbos de comício, alegres animadores do carnaval de palanques, figurinhas premiadas nos álbuns de campanhas políticas.”
E o artista observa que não viu em nenhum programa dos candidatos à presidência nenhuma referência à cultura. Segundo ele nenhum se manifestou até agora sobre o assunto.
Isso não me causa estranheza. Há muito constatei que para a maioria dos governantes a Cultura, a Arte não passam de algo sem valor algum. Tanto que é irrisória a verba orçamentária a ela reservada, tanto nos municípios, como nos estados e na área federal.
Em seu artigo, Cacá Diegues conclui que “a cultura, com toda sua complexa multiplicidade material, tecnológica e virtual de hoje em dia, é a flor de uma nova era do conhecimento, o fator das mudanças que a humanidade do século 21 vai assistir, como nunca antes na história desse planeta.”
Eu já estava com uma crônica pronta quando recebi este artigo. Meu texto falava de veleidades, e dele desisti ao ver a importância do alerta do diretor de cinema tão admirado pelo público.
Ele vem nos provar que os artistas tidos como seres desligados, muitas vezes são os faróis que nos guiam no meio da escuridão.
Tomara que com seu alerta não enfrente a incompreensão que Zola enfrentou. E espero que se você, leitor, também considera a arte e a cultura com a devida importância que deve ter na sociedade enquanto agentes transformadores, pense em tudo que ele escreveu antes de votar no dia 3 de outubro.
(*) Carlos Diegues nasceu em Maceió, em 1940. Começou suas atividades de cineasta amador fundando, com alguns companheiros universitários, um cineclube na PUC-RJ. Um dos líderes do cinema novo participou do movimento de resistência intelectual e política à ditadura militar. Cineasta conhecido no mundo inteiro, com seus filmes sendo rodados regularmente e premiados em festivais internacionais. Em parceria com a TV Cultura, lançou, em 1994, o programa “Veja esta canção”, pioneiro nas relações cinema / TV brasileira. Diretor de diversos curtas-metragens e de mais de 15 longas-metragens. É um dos melhores e mais populares cineastas do país.
Pernambucana, veio para Osasco com 11 anos. Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de "Eu: primeira pessoa, singular", obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil. |