02/02/2006
Sabe aqueles aparelhos de som em que se roda uma pequena esfera que faz com que você vagueie lentamente pelas ondas do rádio? Pois é, esse intrigante mecanismo capaz de tirar a paciência de alguns desavisados descobriu em mim a ausência de um gosto musical. Aparentemente não ter um musicado gosto indica forte indício de falta de personalidade. Mas o dicionário me chamou de eclético. E pela primeira vez discordo, é mais que uma questão de ecletismo, é sentir o mesmo êxtase com a sanfona do Gonzaguinha e a Rapsódia de Paganini do Rachaminov em dó sustenido. É, o abismo que divide os dois jamais será atravessado a não ser pela ponte que eu criei. A minha audição oferece espaço suficiente para as músicas que entram sem bater e ali ficam como na sala de um ex-poeta que abriga mais de 5 mil cd’s se encaixando perfeitamente em um regime socialista sem graus de hierarquia. Hoje ele é poeta sem saber e me disse que a essência de tudo vem da música, seu primeiro e último amor, seu futuro e seu passado.
E nesse meu presente enredo que eu chamo de mim mesmo Beethoven discute acordes com seu Jorge que se faz entender por sinais, Jack Johnson brinca de tirar alguns arranjos no violão do Caetano e o funk carioca empresta algumas de suas batidas para Adriana Calcanhoto. Zé Modesto proseia no mar agitado da história com Renato Russo e Cazuza ao fundo assiste tudo exageradamente emocionado. Roger Waters bebe umas com o Zeca enquanto o Lenine ensina a batucada brasileira para o Tio Sam. Eminen se diverte com Caju e Castanha e Madonna ensina alguns passos para Rita Lee. Os Racionais improvisam alguns versos com Bono Vox e o Quinteto em Preto e Branco comanda um partido alto com John Lennon e Elton John. Elvis Presley requebra com o axé da Bahia e a flauta chilena do Itti-Illimani acompanha o ritmo caipira da viola do Renato Teixeira. O pagode do Grupo Revelação abre espaço para as castanholas de Paco de Lucia e o Chico Buarque deixa a banda passar e faz o papel do garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones. Zeca Baleiro come uma cocada boa com o ilustríssimo Bezerra da Silva, Nando Reis continua compondo para a Cássia Eller onde quer que ela esteja e O Teatro Mágico de cada dia comanda a orquestra sinfônica da trilha sonora do meu filme.
Assim no improviso, nas cenas em que eu enceno no meu cotidiano e nem me dou conta, preenchendo um vazio e fazendo da ausência o lado bom saudade. Soprando no vento com um volume na altura ambiente, assobiando a melodia e dedilhando um solo só meu. Cada um no seu tempo, cada qual no seu compasso. Trazendo respostas e deixando dúvidas, rodando a pequena esfera na estação da vida e tornando a mesma mais simples de ser ouvida.