11/12/2013
João e Miguel estudaram juntos durante todo o ensino fundamental. No ensino médio separam-se. Na faculdade, perderam o contato, pois cada um seguiu uma carreira diferente. Mais de 20 anos depois se reencontraram por acaso, durante um evento profisisonal. João formou-se em medicina, e Miguel estava trabalhando na área de desenvolvimento de produtos de um laboratório farmacêutico.
João comanda um consultório de luxo em um bairro nobre. Mora em uma ampla casa e transita em uma picape importada. Conheceu a Europa e os Estados Unidos, tendo feito pós-graduação naquele país.
Miguel formou-se em farmácia. Mora em uma casa modesta em um bairro classe média. Dirige um carro do ano, mas modelo popular. Quem olha para esses dois amigos, que começaram a vida estudantil juntos, imediatamente classifica João como o profissional de mais sucesso dessa dupla. Será?
Uma questão de parâmetros
Olhando mais detalhadamente a história desses dois amigos, percebe-se que as aparências podem enganar. Apesar de terem estudado no mesmo colégio, Miguel tinha bolsa. Com isso, não poderia repetir o ano e nem tirar notas baixas. A separação no ensino médio deu-se porque a bolsa de Miguel acabou. E João foi concluir os estudos em um colégio de elite, enquanto Miguel, pelas condições econômicas de sua família teve de ir para a escola pública.
A medicina era o sonho dos dois. Mas como Miguel precisava trabalhar o dia todo, optou pela farmácia, pois poderia fazer um curso noturno. Formados, João fez um ano de intercâmbio e depois dedicou-se a um mestrado na Europa, onde tinha parte da família e o tio era o reitor da universidade. Na volta, ganhou como presente pelo diploma conquistado, a montagem da clínica num dos imóveis da família. Da família também é o apartamento de cobertura em que reside. O rendimento da clínica possibilita a João uma vida com certo luxo. Isso porque, o que consegue tirar nela pode usar para viagens, compras e lazer, já que por ser um imóvel da família, a manutenção da mesma não lhe dá nenhuma despesa, nem a da sua casa.
Miguel, ainda na faculdade, começou a trabalhar na área comercial do laboratório no qual conseguiu migrar posteriormente para o departamento de pesquisa. Ainda quando vendedor – e dos bons - juntou o máximo de dinheiro que pôde para financiar a casa em que mora, já que seus pais sempre viveram de aluguel. Conseguiu quitá-la antes do tempo previsto, bem como seu carro popular.
Ao olhar superficialmente para as conquistas desses dois amigos, é fácil dizer que João é mais bem sucedido que Miguel. E é esse o olhar da maioria da sociedade. Afinal ele exibe um patrimônio bem maior que o do amigo e vida mais luxuosa. Mas o que seria da João sem o financiamento da família? Será que, se os dois tivessem partido das mesmas condições iniciais, quem teria maiores conquistas?
Essa não é uma discussão sobre se os pais devem ou não apoiar a carreira dos filhos, mas sobre os parâmetros de comparação entre dois profissionais. O quanto o seu sucesso pode ser medido em relação ao outro, ou o quanto a medida real do seu sucesso é a sua evolução diante de si mesmo?
A evolução diante de si mesmo é a medida correta. Afinal, assim como esses dois personagens fictícios vivemos em um país cheio de desigualdades. Em que a conta não é o resultado final, mas é o tamanho da escada que se conseguiu subir. É pena que na busca por profissionais poucos headhunters trabalhem com esse nível de profundidade.