10/03/2011
Na semana em que Walter Steurer se foi deste mundo, nós do Site da Granja tentávamos transcrever um pouco da emoção que sua partida nos causou. Ao mesmo tempo, tínhamos na pauta o Dia Internacional da Mulher, que previa a entrevista com uma granjeira que tivesse uma história singular para contar. Não deu outra: ninguém mais que Regina Celi de Albuquerque Machado Steurer, a mulher do Walter, como ela mesmo se identifica. E que história! Com apenas três dias de luto, lá estava ela no Projeto Âncora, de portas e coração abertos para nos receber e dividir conosco a grande jornada de duas almas que o destino quis que se encontrassem.
Regina, arquiteta de igrejas, 53 anos, mãe de João, 9, e Pedro, 13, numa longa e profunda conversa de mais de 2 horas, permeada por muitos momentos de comoção, nos revela como construiu sua história. Nascida em Juiz de Fora, filha de militar, viveu em várias cidades, formou-se em arquitetura no Rio de Janeiro, numa época em que a vida lhe mostrava um lado descomprometido e colorido. Como nada acontece por acaso, recebe o convite meio inusitado de um tio, padre, para fazer um curso de Teologia na Bélgica. Atraída mais pela oportunidade de viajar para a Europa, lá vai ela ao encontro do que seria o início de uma grande e inesperada caminhada.
Início dos anos 80, a Teologia da Libertação optava pelos pobres na América Latina e difundia-se pela Europa, onde Regina vai conhecê-la . Durante seu curso na Bélgica, faz amizade com uma aluna de Ruanda, que a convida a visitar seu país, o mais pobre da África. Regina tinha então planos de viajar para a Grécia depois do curso, mas entendeu que dificilmente teria outra oportunidade de conhecer Ruanda, o grande divisor de águas de sua vida.
Por dois meses, circulou por aquele país junto com sua amiga catequista, conviveu com a miséria, desenvolveu o interesse e o talento para ajudar àqueles que precisavam de seu olhar, das suas mãos, da sua dedicação. Da Bélgica e de Ruanda, uma nova mulher, idealista, traz para o Brasil um sonho e uma vontade de mudar. Entra em contato com bispos brasileiros ligados às CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), cujo trabalho Regina identifica-se. Fica um ano na Paraíba, na diocese de João Pessoa, na pastoral do preso. Não precisa de muito para viver, descobre que precisa de muito menos do que imaginava. De lá, vai para São Mateus, no Espírito Santo, onde é convidada a construir a catedral da cidade. A arquitetura continuava viva em seu caminho, agora voltada para o sagrado e seus simbolismos na concepção dos templos. São Miguel Paulista, em São Paulo, foi sua parada seguinte, bairro em que viveu e trabalhou, na pastoral das favelas.
Lecionar Arquitetura Litúrgica foi outra estação em que Regina aportou, quando lhe foi solicitada uma reforma numa loja de artigos religiosos - Apostolado Litúrgico - no centro de São Paulo. Não faltaram idéias para transformar o pequeno comércio numa atração à parte. Um caminho de dormentes levava os transeuntes curiosos da calçada até o fundo da loja, onde havia uma capelinha. O estabelecimento ficou tão atraente que as freiras que a administravam convidaram Regina para trabalhar lá um dia por semana, orientando os religiosos que lá fossem na construção ou decoração de suas igrejas. Essa era a maior parte da clientela.
Mas não toda! Um dia, em 1994, surge um visitante incomum, que procura seus serviços para construir uma capela em sua propriedade, na Granja Viana. O caminho da inquieta arquiteta naquele momento se cruza com o do distinto empresário Walter Steurer, e ali começam a construir, com a delicadeza de um mosaico, uma história de amor, de fé e de planos arrojados. A capela de Walter é construída pelas mãos de Regina num lugar especial de seu jardim, uma gruta cavada "no ventre da Mãe Terra". Em tijolinho à vista, inspirada na cidade de Assis, como gostava Walter. Regina por acaso escolheu o lugar onde havia uma âncora, que ele trouxera de uma viagem. O local era justamente aquele que ele havia imaginado para sua capela...Nem é preciso dizer o que isso significou daí para frente na história desse casal, parceiros de uma viagem insólita.
Walter, naquela época, estava se aposentando e pretendia investir parte de seu patrimônio em alguma obra assistencial, mas não sabia bem como faze-lo. Regina, com sua experiência de muita estrada pelas carências humanas, começa a sonhar com ele um projeto modelo, cuja inspiração vão buscar pelo Brasil afora, em muitos outros projetos bem sucedidos de atendimento a menores carentes. Nasce aí o Projeto Âncora, que teve no circo seu ponto de partida para a grande e impecável instituição que hoje conhecemos. E é também nesse mesmo circo que quem amou Walter dele pode se despedir.
Regina continua com seu escritório de arquitetura (Reúna Arquitetos Associados), é também diretora social da instituição, ensina mosaico no grupo de mães, essa arte que encanta muitos recantos do Âncora e que ilustra seu caminho de delicada construção dessa singular história. Uma mulher rara, competente e bela, que certamente zelará sempre pela vida que, com Walter, deram ao Projeto Âncora.
Maluh Duprat
Fotos: Ligia Vargas